CARTAS & REPORTAGENS



  
CARTAS
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Enviamos o texto da Home deste website para várias autoridades e universidades (Harvard, Columbia, Yale, UCLA, Berkeley, Sorbonne, Oxford, Westminster, etc). Recebemos resposta de várias autoridades. Agradecemos a todos.

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Carta enviada pela assessoria do Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, informando o recebimento do comunicado sobre este site.
Carta enviada pela assessoria do Ministro da Cultura, Sr. Gilberto Gil, informando o recebimento do comunicado sobre este site.
Carta enviada pelo Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Sr. Fernando da Costa Tourinho Neto, informando o recebimento do comunicado sobre este site.
Carta enviada pelo Presidente da Secção da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado de São Paulo, Sr. Luiz Flávio Borges D'Urso, informando o recebimento do comunicado sobre este site. Carta enviada pelo Presidente da Secção da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado do Pará, Sr. Ophir Cavalcante Junior, informando o recebimento do comunicado sobre este site. Carta enviada pelo Presidente da Sub-Secção de Santarém, da Ordem dos Advogados do Brasil da Secção do Estado do Pará, Sr. Rodolfo Geller, informando o recebimento do comunicado sobre este site.
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Carta enviada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Sr. Desembargador Milton Nobre, informando o recebimento do comunicado sobre este site.    

REPORTAGENS

 

Em junho de 2006, o Magnífico Reitor da Universidade da Amazônia-UNAMA, Sr. Edson Franco, através da Assessoria de Comunicação, solicitou-me que concedesse uma entrevista sobre este website. Tal entrevista foi publicada no jornal da Universidade da Amazônia-UNAMA (COMUNICADO), em 03 de julho de 2006. Por falta de espaço, a entrevista sofreu alguns cortes. Aqui, você pode ver a entrevista que foi publicada, e também o texto original da mesma.

1. Quando, exatamente, o Sr. começou a desenvolver a pesquisa e quando a encerrou?

Resposta: Desde criança eu sempre tive um grande interesse pela música e pela poesia, e, de forma genérica, tanto a música, como a poesia e as outras formas de arte sempre tiveram relação com substâncias (drogas) que causam alteração na percepção humana. Desta forma, desde criança, o tema “drogas” sempre me chamou a atenção. Mas, embora eu tenha tido (e ainda tenha) uma relação direta com a música, com a poesia, com a pintura e com o cinema (basta você verificar isso no meu outro website: www.seaculumobscurum.com), eu jamais fui um consumidor de drogas ilícitas, mas sou até hoje um consumidor de drogas lícitas (álcool e tabaco). Quando ingressei no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará, para fazer o Mestrado em 1994, cursei uma disciplina denominada “Introdução ao Estudo da Realidade Amazônica”, ministrada pela Professora Maria de Nazaré Imbiriba e outros professores do Programa Pobreza e Meio Ambiente (POEMA), da UFPA, e foi nesta disciplina que entrei em contato com a questão relativa ao narcotráfico na Amazônia, mais especificamente com o tráfico de cocaína. Foi quando a minha pesquisa, que resultaria na Dissertação de Mestrado, intitulada “O Narcotráfico e o Sistema Penal Federal no Estado do Pará”, teve início. Em janeiro de 1996 eu concluí meu Projeto de Pesquisa, o mesmo foi aprovado em agosto daquele ano, e então comecei a pesquisar os processos criminais sobre o tráfico internacional de drogas no Estado do Pará, os quais tramitaram nas Varas da Seção Judiciária da Justiça Federal, no período de 1976 (ano da entrada em vigor da Lei nº 6.368) a 1999. Em outubro de 1999, defendi minha Dissertação de Mestrado, perante Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Direito, da UFPA, obtendo o conceito Excelente. Em 2001, retomei a pesquisa de campo, com relação aos processos criminais existentes no arquivo da Justiça Federal, e abrangi o período de 1967 a 1976, e também pesquisei os processos referentes aos anos de 1999, 2000 e 2001. Portanto, eu pesquisei os processos criminais existentes na Justiça Federal do Pará no período que vai de 1967 a 2001. Foi uma pesquisa bastante abrangente. No site, onde você encontra o texto da Dissertação de Mestrado na íntegra, você só tem acesso aos dados referentes ao período 1976-1999. Evidentemente, minha pesquisa não se limitou a isso: também pesquisei o consumo e o tráfico de drogas em seus aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e religiosos, principalmente em relação a tenção política existente entre os Estados Unidos e os países da América Latina. Em 2006, decidi finalmente fazer um website para a pesquisa desenvolvida: www.narcotrafficpara.com

2. Além do site, o Sr. pretende publicá-la em livro? Quando?

Resposta: A Dissertação de Mestrado “O Narcotráfico e o Sistema Penal Federal no Estado do Pará” foi objeto de três grandes reportagens no Jornal paraense “O Liberal”: a primeira em 1999, e as outras duas em 2001. Também houve citações referentes a ela em outros jornais, inclusive do Rio de Janeiro, conforme eu fui informado, embora jamais tenha visto esta citação. Evidentemente, talvez pelo fato do tema “drogas” estar na moda, e também pelo fato da pesquisa ser inédita, eu tive todo esse interesse da imprensa. E, é claro, eu recebi convites para publicar o trabalho em livro. Mas, na época, eu tinha que fazer vários ajustes no texto e não tinha tempo e nem dinheiro para isso. Assim, não pude ainda publicar o trabalho em livro. Mesmo fazendo sete anos da defesa da Dissertação de Mestrado, a pesquisa continua atual, e, de qualquer forma, é um trabalho histórico, tendo em vista que abrange o período de existência da Justiça Federal no Estado do Pará, na segunda metade do século XX. Por isso, esse trabalho merece ser publicado em livro, para que as pessoas que não puderem ter acesso a Internet, possam tomar conhecimento dele também.

3. Na sua opinião, de que forma trabalhos dessa natureza podem contribuir para o combate a este problema social?

Resposta: Serve para informar e possibilitar um discussão sobre o problema, e principalmente não permitir que a sociedade seja manipulada. Veja o exemplo da maconha. A maconha é uma droga inofensiva. Não há registro na literatura médica de um único caso de morte provocado pelo consumo de maconha. Mas, o álcool, que é vendido livremente, é a segunda causa de mortandade no mundo. A Organização Mundial de Saúde estima que mais de 2 bilhões de pessoas consumem álcool no mundo. E foi a partir da proibição do álcool nos Estados Unidos, na década de 1920, que teve início a história moderna do crime organizado. No entanto, a produção e consumo de álcool é permitido, e a produção e consumo de maconha é crime. Portanto, eu percebo que a sociedade, em geral, não sabe ou é manipulada para não entender o verdadeiro problema que envolve a questão das drogas. Cabe aqui uma observação: no Brasil, você pode usar qualquer tipo de droga; não é crime você usar maconha, ecstasy, LSD, etc. O que é crime é o porte ilegal para consumo. Assim, se você vai andando pela rua e encontra um amigo seu que lhe oferece maconha e você fuma, quem está praticando o crime é o seu amigo, que está de posse da maconha, uma droga cujo o porte é considerado ilegal. Você, por só ter fumado, de modo imediato, não cometeu nenhum crime previsto em lei penal. Este assunto encontra-se definido por um decisão do Supremo Tribunal Federal: “Não constitui delito de posse de droga para uso próprio a conduta de quem, recebendo de terceiro a droga, para uso próprio, incontinenti a consome”.

4. E quanto ao incentivo para a pesquisa? O Sr. criou o site também pensando na possibilidade do mesmo ser uma importante ferramenta para os pesquisadores sobre o assunto?

Resposta: Eu penso que dentro da Ciência Jurídica não existe área melhor para desenvolver pesquisas do que a área criminal. Há uma infinidade de temas, como narcotráfico, crimes ambientais, violência contra a mulher, crimes praticados por menores, crimes na Internet, a questão penitenciária, etc. Desta forma, eu criei o website para incentivar a pesquisa na área do Direito Penal, abrangendo também a criminologia, as ciências sociais, a economia, as artes, outros ramos da Ciência Jurídica, etc. Embora algumas pessoas discordem, não existe ensino sem pesquisa, não existe conhecimento sem pesquisa. É claro que algumas pessoas, em alguns casos, não precisam freqüentar uma universidade para adquirir determinada habilidade, como bem colocou recentemente o Prof. Cláudio de Moura Castro, em um artigo publicado na revista “Veja”. Mas, sem a pesquisa não existe habilidade alguma. Eu jamais fiz curso de música ou curso de letras, mas faço música e poesia, e tenho um bom conhecimento sobre as artes em geral. Isso aconteceu porque eu sempre pesquisei esses assuntos. Se hoje eu consigo criar uma composição musical ou conhecer integralmente a obra de T.S. Eliot (poeta norte-americano naturalizado inglês) é porque eu pesquisei esses assuntos. E se é o grande problema dos alunos dos Cursos de Direito, sejam eles da UNAMA, da UFPA ou do ILES/ULBRA: eles não querem pesquisar, não querem ler, e o Curso de Direito é essencialmente leitura.

5. Como está a relação entre o narcotráfico e o Sistema Penal do Pará?

Resposta: Eu acredito que as instituições que compõem o Sistema Penal Federal no Estado do Pará (Polícia Federal, Justiça Federal, Ministério Público Federal e Sistema Penitenciário Estadual – o Pará não tem casas penais federais, e os condenados da Justiça Federal cumprem pena nas casas penais geridas pelo Governo do Estado) têm evoluído bastante. Foi por influência do meu trabalho que as 3ª e 4ª Varas da Seção Judiciária da Justiça Federal do Estado do Pará foram especializadas para processar e julgar somente causas penais. A Polícia Federal está abrindo novas Delegacias no Interior, e também a Justiça Federal tem se expandido no Estado do Pará. Mas, a questão do narcotráfico ainda é muito grave e não pode ser solucionada apenas pelos órgãos repressivos.

6. O Sistema Penal tem conseguido combater este problema? De que forma?

Resposta: O problema do tráfico de drogas é complexo, seja o tráfico internacional, seja o tráfico interno. Na minha opinião, somente a repressão não basta para solucionar o problema. Quando, em 1999, saiu a primeira grande reportagem sobre o meu trabalho no Jornal “O Liberal”, eu falei publicamente (e também porque isso estava na minha Dissertação de Mestrado) que o Estado deveria produzir e vender as drogas aos consumidores para romper o elo de ligação entre o traficante e o consumidor. Na época, teve gente que achava que eu estava louco. Sete anos depois, e com o agravamento da crise de segurança pública no Brasil e no Mundo, tendo como fator principal o tráfico de drogas, eu penso que essas pessoas reviram sua posição. A realidade demonstra cabalmente que somente a repressão é incapaz de acabar com o tráfico de drogas e, por tabela, com o crime organizado. Em Nova Iorque, o “Tolerância Zero” acabou com tráfico de drogas? É claro que não. O tráfico de drogas continua da mesma forma. E todo o aparato militar norte-americano que está na Colômbia impediu a produção de cocaína e heroína? Não. Muito pelo contrário. Os traficantes estão cada mais sofisticados. Somente quando o Estado tomar consciência de sua impotência diante do problema é que haverá solucão. Portugal, por exemplo, parece que está tomando consciência do problema, pois o Estado Português descriminalizou o consumo de todas as drogas. A Inglaterra já permite o consumo de maconha em lugares apropriados. Eu penso que, se o Estado produzir, vender e controlar o consumo de todos os tipos de drogas, o poder do traficante ficará bastante diminuído, o Estado terá controle sobre a população consumidora de drogas (o que é impossível de se ter hoje), e ainda vai arrecadar um bom dinheiro que poderá ser revertido em favor do próprio consumidor e da sociedade.

7. O Sr. tem números que possa nos fornecer para enriquecer o texto da matéria?

R: Os dados estatísticos você os encontra no website, pois lá pode ser encontrado tanto a história da pesquisa (na Home), como o projeto de pesquisa, a Dissertação de Mestrado na íntegra, e ainda projetos que derivaram da pesquisa. Na seção que contém a Dissertação de Mestrado, você encontrará todos os dados estatísticos sobre os processos criminais que têm por objeto o tráfico internacional de Drogas no Estado do Pará, no período 1976-1999.

8. O que o Sr. concluiu com a pesquisa?

Resposta: A grande conclusão a que cheguei foi que a sociedade, como um todo, é uma completa ignorante no que diz respeito às drogas e ao tráfico e consumo das mesmas. Há muita falta de informação, mesmo entre as autoridades. Certa vez, uma pessoa me disse que quem usa cocaína somente uma vez, torna-se imediatamente dependente, o que é um absurdo. Ninguém fica imediatamente dependente por que usou apenas um vez (ou algumas vezes) determinado tipo de droga. Além do mais, ninguém se torna dependente, porém nasce-se dependente, porque a dependência é uma questão genética, a pessoa já nasce com propensão para se tornar dependente. Isso conforme os estudos mais recentes na área da genética. É bom não esquecer que todo o aparato repressivo-ideológico que nós temos foi importado dos Estados Unidos, incluindo as lei 6.368/76 e 10.409/02. Antes de serem um problema de saúde pública, as drogas são um problema político e econômico. Afinal de contas, é o negócio do século. O traficante não paga imposto de renda, de circulação de mercadoria e serviços, de exportação, etc. Também não paga direitos trabalhistas e previdenciários, ou seja, em nada contribui para a sociedade, e não há qualquer interferência do Estado em seus negócios. O tráfico de drogas é a maior expressão do novo capitalismo, o chamado neo-liberalismo. Por isso não interessa ao traficante que o Estado produza, venda e controle o consumo de todos os tipos de drogas, como também não interessa ao traficante tornar o seu negócio uma atividade legal. Para o traficante só interessa deixar tudo como está, pois assim, ele poderá obter uma receita cada vez maior, levando milhões de jovem no mundo inteiro à degradação física e moral e à prostituição. Quando eu falo do traficante, eu não estou me referindo ao pretinho dos morros do Rio de Janeiro, que fica com a metralhadora nas mãos, pegando bala da polícia, ou ao pobre que vende maconha ou cocaína e mora na periferia de Belém. Esses são operários e distribuidores que trabalham para o patrão. O traficante mesmo, o dono do negócio que movimenta trilhões de dólares anualmente no mundo inteiro, este jamais foi preso e jamais foi sequer incomodado pela polícia, porque ele tem poder o poder político e econômico nas suas mãos.

 


 

Reportagens publicadas no jornal O LIBERAL, entre 1999 e 2001.

 

TÍTULO: TRÁFICO PÕE JUSTIÇA EM XEQUE. Primeira grande reportagem sobre a Dissertação de Mestrado “O Narcotráfico e o Sistema Penal Federal no Estado do Pará”, publicada no Jornal O Liberal, em 31 de outubro de 1999 (Domingo).

 

Repórter: Dulcivânia Freitas.

 

No Estado do Pará, o tripé que sustenta a aplicação da lei federal 6.368, criada para combater o comércio de entorpecentes no território brasileiro, é manco. A lei vigora há 33 anos e até hoje a Polícia Federal continua sem pessoal suficiente e equipamentos adequados para enfrentar o narcotráfico; nessas três décadas a Seção Judiciária da Justiça Federal no Estado, nunca foi ampliada; e não existe projeto para uma casa penal que abrigue exclusivamente os condenados da Justiça Federal. Esse diagnóstico inédito da atuação do sistema penal federal – composto de polícia, judiciário e penitenciária – em relação ao narcotráfico no Estado foi traçado pelo advogado paraense Marco Alexandre da Costa Rosário, que estudou o assunto em tese de mestrado aprovada este mês na Universidade Federal do Pará (UFPA).

 

O estudo abrange o período de entrada em vigor da lei 6.368, em 1976, até agosto de 1999. “Constitui-se no levantamento de dados referentes aos processos criminais que foram surgindo na Seção Judiciária da Justiça Federal no Pará, ao longo de três décadas”, explica Marco Alexandre Rosário. Conforme aponta o levantamento, apenas 28 processos criminais tramitaram – ou tramitam – pelas varas da Seção Judiciária. Três foram enviados ao Tribunal de Justiça do Estado por serem casos de tráfico interno de drogas.

 

Na opinião do advogado, o baixo número de processos criminais durante mais de 30 anos deve-se, sobretudo, às dificuldades que a Polícia Federal tem para coibir o narcotráfico. “Não está devidamente aparelhada para enfrentar o problema, seja no aspecto humano (poucos agentes e delegados), seja no material (equipamentos como barcos, lanchas, aviões adequados para a região, e mesmo monitoramento via satélite, como ocorre nos Estados Unidos)” avalia Marco Alexandre Rosário.

 

Segundo o pesquisador “as esperanças da PF” estão nos projetos Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e o Pró-Amazônia, este voltado para melhorias nos equipamentos. Mas enquanto os dois projetos não começam efetivamente a funcionar, a PF permanece “enfraquecida”, o que, na opinião de Marco Alexandre Rosário, se reflete na atuação do Judiciário Federal.

 

Em relação a instituição penitenciária, o pesquisador constatou que houve “um grande número de evasão de presos condenados pela Justiça Federal por tráfico de drogas, sendo que o sistema do Estado não está preparado para receber este tipo de infrator e muito menos para efetivar a recuperação do mesmo, reinserindo-o na sociedade, após o cumprimento da pena, como prescreve a lei”.

 

Ampliação – Marco Alexandre Rosário sugere a ampliação e a reforma dos três órgãos que formam o sistema penal federal. Na PF, ele defende a aquisição de equipamentos adequados às peculiaridades geográficas da região norte. E também acredita que o aumento do número de agentes e delegados contribuiria para possibilitar um esquema de rodízio que iniba a corrupção de pessoal pelo narcotráfico. Já no judiciário, o advogado considera necessária a ampliação da Seção Judiciária da Justiça Federal no Estado, com a criação e instalação de mais varas, na capital e no interior (atualmente há duas descentralizadas: em Santarém e Marabá), como também a criação de um Tribunal Regional Federal na Amazônia, com sede em Belém, “o que facilitaria a tramitação dos processos criminais – não somente estes, mas também processos cíveis e de execução”. “Existem apenas cinco desses tribunais criados pela Constituição Federal de 1988”, informa.

 

Atualmente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao qual está subordinada a Seção Judiciária do Pará, abrange toda a região Norte e parte das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Na opinião de Marco Alexandre Rosário, melhor seria “unificar a Justiça Federal, juntando a Justiça Federal Comum com as Justiças Federais especializadas (trabalhista e militar), sendo que os TRTs passariam a ser Tribunais Regionais Federais em cada Estado-membro, com varas especializadas (trabalhista e militar) e juizados especiais trabalhistas”. Ele esclarece, em seguida, que não está defendendo assim a extinção da Justiça do Trabalho, mas a unificação da Justiça Federal, “preservando-se a separação no que diz respeito à matéria (trabalhista, cível, penal, militar)”.

 

Na instituição penitenciária, o pesquisador aponta a necessidade de se implantar um estabelecimento prisional para o cumprimento de penas privativas de liberdade, em regime fechado, semi-aberto e aberto, custeado pelo governo federal, a fim de retirar os condenados da Justiça Federal das casas penais administradas pelo governo do Estado e seu respectivo sistema judiciário.

 

Proposta levanta polêmica

 

O advogado Marco Alexandre Rosário tem uma proposta, no mínimo, polêmica para combater o narcotráfico.    Ele é categórico ao defender que nenhuma das suas sugestões de reforma e ampliação do sistema penal federal pode surtir efeito no desmantelamento do crime organizado surgido com o comércio ilegal de drogas se não forem adotadas medidas ousadas. Uma delas: transferir para a gerência do Estado o comércio de drogas atualmente ilícitas.

 

O paraense não é adepto da proposta do chefe da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), juiz Walter Maierovitch, que defende publicamente a distribuição de drogas pelo Estado, mas apoia, isto sim, a “venda” das drogas pelo Estado, “sob rigoroso controle, sendo o uso feito em estabelecimentos apropriados, através do sistema de saúde”. Na opinião de Marco Alexandre Rosário, essa estratégia “possibilitaria retirar o consumidor de drogas das mãos do tráfico”.

 

No seu estudo, o paraense se refere a três categorias de consumidores de drogas: o dependente químico, o que consome porque gosta e os que experimentam eventualmente. “No casos das drogas virem a ser vendidas pelo Estado, isso forçaria a queda do produto no mercado ilegal, enfraquecendo o crime organizado”, acredita o advogado. Ele destaca que não estaria, com esta idéia, iniciando um movimento de liberação das drogas. “Liberadas elas estão, e seu comércio é feito pela iniciativa privada, no caso o crime organizado. Necessário então é desatar o nó, fazendo com que o Estado assuma sua responsabilidade na questão”.

 

Marco Alexandre considera que “essa questão da venda das drogas pelo Estado deve ter um caráter internacional, somente podendo ter efeitos positivos se for realizada pela comunidade internacional como um todo”. Esse aspecto de internacionalização da venda das drogas pelo Estado é defendido pelo advogado por considerar que “a simples repressão não tem tido o efeito desejado, sendo que a situação, como está, serve apenas ao enriquecimento do traficante, já que é um negócio que movimenta por volta de 500 bilhões de dólares”. Por fim, o advogado reconhece que esta medida “deve ser muito bem analisada e estudada, principalmente no que diz respeito ao seu impacto econômico e social”. E já decidiu: essa vertente será um dos aspectos da sua tese de doutorado.

 

Curiosidade – A pesquisa realizada por Marco Alexandre Rosário vai além da análise de atuação do sistema penal federal em relação ao narcotráfico no Pará. Inicialmente, ele faz um estudo aprofundado do uso e do tráfico de drogas, desde os tempos antigos até a atualidade. Nessa análise histórica, há citações de obras de poetas e escritores que fizeram uso de drogas (como o poeta francês Artur Rimbaud, no século XIX), e de movimentos artísticos e sociais do século XX, desde a década de 50 até a atualidade (beatnik, hipster, hippie, psicodelismo, happening, punk, etc). Há informações curiosas, como as citações do livro de Legs McNeil e Gillian McCain, “Mate-me por favor” (“Please, kill me – Uma história sem censura do punk”), quase todo de depoimentos de artistas e músicos , e que abrange a história da música urbana norte-americana e européia nos últimos 40 anos.

 

Também foram feitos comentários sobre a relação de conflito entre os países da América Latina e os Estados Unidos. Também constam como fontes para a dissertação músicas criticando o uso de drogas, como é o caso de duas composições do norte-americano Frank Zappa. Além de todas essas pesquisas, Marco Rosário também utilizou notícias sobre o tema do seu estudo, publicadas no jornal O Liberal, “o que vem comprovar que os noticiários podem servir de base para pesquisa e informação científica”.

 

Marco Alexandre Rosário nasceu em Belém e graduou-se em Direito em 1990, pela UFPA. Iniciou na advocacia como Defensor Dativo da Justiça Federal. Atuou como professor provisório na antiga Unespa, hoje Unama. Foi professor substituto na UFPA, entre 1996 e 1997, ministrando as disciplinas Prática Processual Penal, Direito Penal IV, Criminologia e Direito Penitenciário. Atuou na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Santarém e foi pesquisador-bolsista da Fundação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Defendeu sua tese de Mestrado para uma banca examinadora formada pelos professores José Carlos Dias de Castro (mestre e doutor pela Universidade Paris-Sorbone, França), Francisco Pedro Jucá (mestre pela UFPA e doutor pela USP) e José Cláudio Monteiro de Brito Filho (mestre pela UFPA e doutor pela USP), obtendo conceito ‘Excelente’.

 

Chefe da PF admite carência

 

O superintendente da Polícia Federal no Pará, Geraldo Araújo, não concorda que o órgão esteja “enfraquecido” na missão de reprimir o tráfico de entorpecentes devido à carência de pessoal suficiente e falta de equipamentos adequados, mas admite que a situação não é a ideal. “O problema é a gama de atribuições da PF, e nós realmente não temos o pessoal e equipamentos necessários. Então temos de eleger prioridades prioritárias, e hoje o combate ao narcotráfico é a prioridade”, diz Geraldo Araújo.

 

Ele prefere não divulgar de quantos delegados e agentes a PF dispõe atualmente. Seria uma espécie de sigilo policial para evitar estímulo aos traficantes. Mesmo assim, contabiliza a necessidade de triplicar o efeito da PF no Pará. O déficit ainda é reflexo do longo período sem concursos no órgão. “Ficamos oito anos sem novas contratações, em todos os níveis da PF, de 1985 a 1993. E no ano passado tivemos mais um, a PF conseguiu normalizar a realização de concursos mas não o número de contratações de que ainda precisamos”, afirma o superintendente da PF.

 

Conforme o advogado Marco Alexandre Rosário se referiu na sua pesquisa, Geraldo Araújo confirma que “as esperanças da PF se voltam para os projetos Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e o Pró-Amazônia”, que deverão dotar a PF no Pará de lanchas, aeronaves, viaturas e até equipamento de monitoramento via satélite. Trata-se de um investimento da Alemanha e da França num consórcio que envolve a gorda cifra de US$248 milhões, mas que ainda depende de aprovação no Congresso Nacional para começar a ser operado nos noves Estados da região Norte. “O Pró-Amazônia é o braço do Sivam porque o Sivam não tem poder de polícia, apenas vai disponibilizar dados para a PF fazer seu trabalho. Agora, o Pró-Amazônia depende de gente, não adianta colocar equipamento aqui se não tivermos pessoal para opera-lo”, explica Geraldo Araújo.

 

Quanto à proposta do advogado Marco Alexandre Rosário, de que o Estado viesse a ter o controle na venda de todos os tipos de drogas, o superintendente da Polícia Federal diz que é contra. “Não sei se é por minha formação de policial, mas sou radicalmente contra. Primeiro, porque o uso de entorpecentes não traz um único benefício, inclusive países como a Holanda e a Suíça (onde a distribuição é controlada pelo Estado) estão revendo esta posição de liberação das drogas. Outra coisa, imagine a cena de uma criança vendo televisão e passa um anúncio vendendo cocaína?”.

Condenação para 92 pessoas

 

A pesquisa intitulada “O narcotráfico e o sistema penal federal no Estado do Pará” mostra que, de 1976 a 1999, um total de 92 pessoas foram condenadas por tráfico de drogas internacional  ao colocar o Pará na rota de venda. Por outro lado, 49 acusados terminaram absolvidos e alguns faleceram antes mesmo de receber a sentença.

 

Dos 25 processos criminais que tramitaram nas varas da Seção Judiciária da Justiça Federal no Pará, cinco foram arquivados, quatro encontram-se em grau de recurso para TRF, 15 estão em fase de execução penal e um tramita pela 4ª Vara. O estudo também revela que 145 pessoas foram indiciadas em inquéritos policiais instaurados pela PF, por tráfico de drogas no Estado nestas três décadas, sendo que 34 eram estrangeiras. A maioria era natural da Colômbia, com 17 pessoas indiciadas.

 

O Ministério Público Federal (Procuradoria Regional da República), por sua vez, denunciou ao Judiciário Federal 155 pessoas, sendo que a denúncia foi recebida em relação a 145 destas. Houve recurso de apelação para os tribunais de segunda instância (o Tribunal Federal de Recursos, extinto pela Constituição de 1988, e o TRF da 1ª Região) em relação a 17 processos criminais. Os tribunais reformaram a sentença em oito processos. Em nove foram mantidas as decisões de primeira instância.

 

ESTRATÉGIA DE COMBATE – Juiz defende especialização

 

Em vez de ampliação das varas da Seção Judiciária do Tribunal Regional Federal, como propõe o pesquisador Marco Alexandre Rosário, o diretor em exercício do foro, juiz Rubens Rollo D’Oliveira, pretende reforçar a discussão de especializar duas varas já existentes em ações penais. Defensor do endurecimento da legislação brasileira de combate ao narcotráfico, o juiz falou, nesta entrevista, sobre a ação da Justiça e outros pontos abordados na pesquisa sobre o sistema penal federal no combate ao narcotráfico no Pará.

 

“Pergunta: É necessária a criação de mais varas penais, na capital e no interior, como propõe o pesquisador Marco Alexandre Rosário?

Resposta: Belém atualmente conta com sete varas federais, sendo duas específicas para execução fiscal. Então sobram cinco varas para competência remanescente. Sendo que a 5ª Vara ficou especializada em desapropriações, é de Direito Agrário. São varas até demais para analisar as ações penais, mas só que na prática essas cinco varas não estão atendendo à demanda de processos, tanto que a sociedade tem cobrado muito do Judiciário a impunidade dos crimes, inclusive federais. A minha proposta não é de criar mais varas penais, mas sim de especializar duas destas cinco varas já existentes para ações penais.

 

P: A especialização de duas varas em ações penais já é uma discussão no Tribunal Regional Federal (TRF)?

R: Na visita em que o corregedor Nelson Gomes de Souza (hoje, aposentado) nos fez há alguns anos, este assunto já foi tratado, mas o Tribunal ficou de aprofundar a questão e sugeriu ao corregedor, na época, que fizéssemos estudos preliminares sobre isso. Na próxima reunião de juízes que houver, vou tocar no assunto.

 

P: Qual sua opinião sobre a proposta de criação do Tribunal Regional Federal da Amazônia?

R: Essa proposta já foi, inclusive, apresentada a esse Tribunal (Regional Federal, com sede em Brasília) por juízes da região. E o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fez uma proposta de desmembramento da nossa área de jurisdição, que é muito abrangente. Além do Norte ele estende a jurisdição a alguns Estados do Nordeste (Bahia, Piauí e Maranhão) e do Centro-Oeste (Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Distrito Federal), e até o Estado de Minas Gerais. Nossa posição, aqui no Pará, entre alguns juízes, é de que seja criado este Tribunal Regional da Amazônia, como é a posição da OAB-PA e de alguns membros do Ministério Público Federal.

 

P: O desmembramento facilitaria a tramitação dos processos?

R: Certamente, inclusive as questões regionais são muito mais bem entendidas pelas pessoas que moram aqui.

 

P: O que o senhor acha da sugestão de unificar a Justiça Federal, juntando à Justiça Federal Comum a Militar e a Trabalhista?

R: A Justiça Federal tem sentido que há interesses federais que se contrapõem a interesses estaduais e municipais, mas como nosso País é federativo, ela (Justiça Federal) não é de todo modo desnecessária. Pelo contrário, evita muitas perplexidades. Um exemplo de que nem todo interesse estadual é também federal é a calçada do Teatro da Paz (centro de Belém) feita pelo município. Suscitou uma ação civil pública que tramita na Justiça Federal porque o teatro é um bem tombado pelo Ipham, logo o teatro é um bem nacional.

 

P: Em 30 anos da lei federal de combate ao tráfico de entorpecentes, 28 processos criminais tramitam (ou tramitaram) na Seção Judiciária da Justiça Federal no Pará. Isso dá uma média de apenas um processo por ano...

R: Isso é desanimador. Com esta estatística enorme que temos do crescimento de viciados pelo mundo – não só no Brasil – mas em países como a Holanda, onde até alguns tipos de drogas são permitidas, e você sabendo que o Brasil, que é considerado rota do tráfico e onde o consumo aumentou, e sabendo que muitas destas drogas são importadas, se há um processo por ano no Estado é sinal de que a repressão é ineficiente, e não de que o número de pessoas envolvidas no tráfico seja pequeno. Pode ver que é rara hoje uma família que não tenha um parente com passagem com droga ou um problema com a polícia por envolvimento com tráfico de drogas.

 

P: E sua posição à proposta do Estado gerenciar a venda de drogas?

R: Isso já foi tentado na Holanda, e sabemos que não deu certo. Falavam que, com isso, se evitaria a violência do traficante, o crime organizado. Eu não acredito nisso, sou visceralmente contrário à legalização do uso de drogas. Mas acho que o Estado tem de investir na recuperação do usuário, e dar um tratamento de crime hediondo para o traficante.

 

P: Em matéria de narcotráfico, o senhor acha a legislação brasileira ainda branda?

R: Acho que traficante de drogas tem de cumprir a pena em regime fechado integralmente. Hoje, ele ainda tem algum benefício, como o livramento condicional – salvo engano, com metade da pena – e não deveria ter esse direito. O traficante comete um crime gravíssimo, é o pior depois do homicídio.

 

P: E quanto à descriminação do consumo?

R: Sou contra, porque ao incentivar o consumo de drogas, estamos incentivando a produção. Deve continuar a repressão, o tráfico deve continuar equiparado a um crime hediondo e o traficante ter cada vez menos benefícios. Tenho constatado o aumento assustador do consumo de cocaína no Pará. E o problema começa a partir da tolerância. Lembro que os Beatles fumaram maconha no banheiro da rainha da Inglaterra e popularizam esta droga nos anos 60.

 

P: Na época, tragar um cigarro de maconha estava mais ligado a uma postura ideológica do que à criminalidade...

R: O que eu sei é que, a partir dos anos 60, com a maior liberalização dos costumes, o consumo de drogas passou a ser difundido de uma forma intensa. Não tenho noção do que incentiva, mas tenha idéias particulares a respeito disso. Certos cantores que fazem apologia do uso da droga deveriam ter seus discos confiscados.

 

P: Por exemplo....

R: O grupo Planet Hemp, já ouvi músicas deles na rádio. Eles defendem o uso da maconha. A liberdade artística e de pensamento não pode chegar ao ponto de propagar o uso de drogas, porque uma criança tem acesso ao rádio, à televisão e até por curiosidade se vê envolvida, fica menos resistente.

 

(Fim da reportagem)

 

COMENTÁRIOS DO AUTOR DA PESQUISA SOBRE ESTA REPORTAGEM

 

 A reportagem cometeu alguns equívocos. Primeiramente, eu não disse que o Sistema Penal Federal no Estado do Pará é manco. Eu disse que o mesmo tinha deficiências. Durante as décadas de 1980 e 1990 foram criadas novas Varas Federais na Seção Judiciária da Justiça Federal do Estado do Pará, inclusive as descentralizadas (nos Municípios de Santarém e Marabá), sendo que a Justiça Federal no Estado do Pará não ficou estagnada com relação essa questão, como está descrito na reportagem. A pesquisa abrangeu um período de 22 anos e meio, desde a data da publicação da Lei nº 6.368, em outubro de 1976, até agosto de 1999, e não um período de 33 anos. Na verdade, foram quase 23 anos. Posteriormente, durante o ano de 2001, complementei a pesquisa já realizada, realizando outro levantamento de dados estatísticos na Seção Judiciária da Justiça Federal do Estado do Pará, relativo aos processos criminais de tráfico internacional de drogas, abrangendo o período entre os anos de 1967 (quando a Justiça Federal de 1ª Instância passou novamente a funcionar no Brasil – ela tinha sido extinta pela Constituição de 1937, e foi recriada em 1966) e 1976 (até a data da publicação da Lei nº 6.368), sendo que não encontrei nenhum outro processo criminal que tratasse de tráfico internacional de drogas nesse período. Também incluí na pesquisa, realizada em 2001, os anos de 1999 e 2001, encontrando poucas alterações no que já havia sido pesquisado (período entre outubro de 1976 e agosto de 1999). Portanto, realizei uma pesquisa total em relação aos processos criminais cujo o objeto é o tráfico internacional de drogas, e que tramitaram na Justiça Federal do Pará no século XX. Relativo à informação sobre o fato de eu desenvolver uma tese de doutorado sobre a venda de todas as drogas pelo Estado, com a finalidade de enfraquecer o crime organizado, eu desisti da idéia.

 

Fora esses pequenos equívocos, esta reportagem, em termos de informação, é a melhor de todas as três, pois é a que tem mais texto e entrevistas com autoridades policiais e judiciárias.

 

 

 

TÍTULO: JUSTIÇA PERDE A GUERRA PARA O TRÁFICO. Segunda grande reportagem sobre a Dissertação de Mestrado “O Narcotráfico e o Sistema Penal Federal no Estado do Pará”, publicada no Jornal O Liberal, em 18 de fevereiro de 2001 (Domingo). Na primeira página, do primeiro caderno do jornal, foi colocada uma chamada sobre esta segunda reportagem: “JUSTIÇA ESTÁ PERDENDO A GUERRA PARA O NARCOTRÁFICO.

 

Repórter: Fabrício de Paula.

 

Em 22 anos foram apenas 25 processos contra narcotraficantes. Falta estrutura para um combate à altura do problema.

 

Ao longo de 22 anos, a Justiça Federal do Pará moveu apenas 25 processos contra pessoas envolvidas com o narcotráfico internacional. Apesar do Estado ser uma das principais rotas para o escoamento da cocaína até os mercados europeu e dos Estados Unidos – no ano passado das quase cinco toneladas de cocaína apreendidas no Brasil, 23% foram na região norte – a falta de estrutura do poder público no combate ao narcotráfico impede que seja dada uma resposta à altura do problema.

 

Os dados fazem parte de uma pesquisa inédita que levantou os processos entre os anos de 1976 e 1998. Nesses 22 anos foram condenados por tráfico internacional de drogas, 92 pessoas. Desse total, 49 acabaram absolvidas e algumas até mesmo morreram antes de ouvir a sentença do juiz. Dos 25 processos criminais, cinco foram arquivados. Quatro estão em grau de recurso, no Tribunal Regional Federal. Em fase de execução penal estão 15 e um ainda tramita pela 4ª Vara Penal. A Polícia Federal também abriu inquérito policial e indiciou 145 pessoas por tráfico de drogas no Pará, nestas quase duas décadas e meia, sendo que 34 eram estrangeiras. A Colômbia, que contribui com 85% da produção mundial de cocaína, é o País que tem o maior número de indiciados.

 

Os números do combate ao narcotráfico foram revelados pelo juiz federal Rubens Rollo D’Oliveira, da 3ª Vara Federal, que se baseou na pesquisa do advogado Marco Alexandre da Costa Rosário, a partir da sua tese de mestrado pela Universidade Federal do Pará.

 

Intitulada “O narcotráfico e o sistema penal federal no Estado do Pará”, a pesquisa abrangeu 22 anos de vigência da Lei 6.368, de 1976, de combate ao narcotráfico. “Nesse período, a pesquisa detectou 25 ações judiciais de tráfico internacional de drogas. Se você disser que é um número pequeno, nós vamos ter que ressaltar que cada processo geralmente equivale a uma quadrilha”.

 

Neste período, o Ministério Público Federal denunciou ao Judiciário Federal 155 pessoas. A Justiça acatou 145 denúncias do total, das quais 17 tiveram recursos impetrados nos tribunais de segunda instância, Tribunal Federal de Recursos, que foi extinto pela Constituição de 1988, e o TRF da 1ª Região. Em oito sentenças os tribunais mantiveram a denúncia e nove denúncias tiveram as decisões mantidas na primeira instância.

 

O trabalho de Marco Rosário também fez um diagnóstico da estrutura do poder público colocado na guerra contra o tráfico. “A lei vigora há 23 anos e até hoje a Polícia Federal continua sem pessoal suficiente e equipamentos adequados para enfrentar esse crime. Não existe um projeto para uma casa penal que abrigue exclusivamente os condenados da Justiça Federal, além disso, o sistema penitenciário atual é totalmente inepto para recuperar, principalmente o traficante. Mas houve um ligeiro progresso na Justiça Federal, que desde 1985 instalou várias varas federais, cinco em Belém”, avalia o advogado.

 

Difícil – Para o delegado de Polícia do Departamento de Investigação sobre Narcóticos (Denarc) de São Paulo, Edmur Luchiari, a dificuldade de trabalho da prisão de criminosos ligados ao crime organizado não é apenas uma característica do Brasil. Ele, que esteve em Belém esta semana participando do Seminário Franco-Brasileiro de Repressão ao Narcotráfico disse que “o trabalho de combate ao crime organizado – e isso inclui o narcotráfico – é difícil. Só para citar um exemplo, na ‘operação mãos limpas’ da Itália, por exemplo, cerca de 1.500 pessoas foram indiciadas por crimes ligados à máfia. Desse total, 800 foram presas, 50 foram condenadas e atualmente apenas duas estão presas”.

 

 

 

 

Consumo aumenta no Pará

 

O juiz Rubens Rollo diz que o consumo de droga está aumentando no Estado do Pará. “Antigamente, nós tínhamos pouca incidência de uso de cocaína. Mas o que a gente vê hoje é que houve um barateamento da droga. Ela está mais barata, porque hoje tem mais produção”, ressaltou.

 

Para o juiz, “isso significa que o tráfico aumentou”. Ele diz também que “a repressão policial talvez, por esses dados, não esteja acompanhando essa evolução, porque, se você contar 25 processos em 22 anos, pode até aparentar ser pouca coisa”.

 

Segundo o juiz, sabe-se que, no Brasil, não se planta a coca, que vem de fora e é refinada aqui, ou às vezes lá mesmo, no exterior. “Se se parte do pressuposto de que a cocaína vem de fora, e que no Pará você só pegou 25 casos em 22 anos, embora o consumo tenha aumentado demais, pode-se chegar a uma conclusão de que a repressão policial não tem sido à altura”, explica o juiz.

 

Perguntado sobre o que poderia ser feito no âmbito da Justiça Federal, para melhorar a repressão ao narcotráfico internacional, Rubens Rollo D’Oliveira citou, em primeiro lugar, a especialização de varas criminais. “Nós não temos hoje, no Pará, nenhuma Vara Penal especializada. Então o juiz trabalha com milhares de processos, de vários tipos, penais, cíveis, tributários, e não tem uma dedicação maior a uma ação penal que está sujeita a prescrição e exija também um processamento rápido”.

 

O juiz federal disse ter observado que esses processos são de longa tramitação e que, no transcorrer dessa tramitação, “gera-se a impunidade: muitos traficantes voltam a delinqüir e isso quando não fogem. Porque nós não temos estabelecimento penal federal”.

 

As pessoas acusadas de tráfico internacional, ao serem presas, são encaminhadas para as casas penais do Estado. “E as notícias que temos é que não existe nenhum grande traficante internacional preso no Pará. Ou já fugiram ou se evadiram. Os dois maiores de que se tem notícia, o Carlos Alegria e José Paulino – e que, apesar dos nomes, não são brasileiros – conseguiram se evadir há algum tempo”. José Paulino seria holandês e o Carlos Alegria, ainda conforme o juiz, não se sabe nem o nome verdadeiro e nem a nacionalidade dele, já que o nome usado é falso.

 

Falando ainda sobre as 25 ações movidas pela Justiça Federal, o juiz Rubens Rollo informa que cinco desses processos já estão encerrados, com o réu cumprindo pena. Ele explicou ainda que nem todo crime de tráfico de droga é da competência da Justiça Federal, mas somente aqueles que têm o requisito da internacionalidade – quando se consegue provar que o réu esteve em contato com o exterior, exportando ou importando a droga.

 

“Se a droga vier do exterior para o Brasil e for internada e depois distribuída, o tráfico deixa de ser internacional para ser local e, em sendo assim, deixa de ser da competência da Justiça Federal”, explicou Rollo.

 

Resquícios – Apesar da Polícia Federal efetuar apreensões significativas de cocaína nos últimos anos, as estatísticas sobre o narcotráfico no Brasil mostram que as apreensões realizadas pelo poder público representam apenas 10% do volume de drogas que circulam pelo País. Os dados são do delegado Edmur Luchiari, do Departamento de Investigação sobre Narcóticos (Denarc) de São Paulo.

 

A constatação soa como um alarme, mas também um desafio para todos os órgãos envolvidos no combate ao narcotráfico na região. Segundo Luchiari, “o que se sabe sobre drogas é apenas de 5 a 10% da realidade do problema. Em estatística, chama-se a isso de cifra negra, uma estimativa matemática dos números desconhecidos por nós. Isso quer dizer que o tamanho do negócio é vinte vezes maior”, ressaltou. “Para termos uma idéia, a média de apreensão de maconha em São Paulo por ano é de duas toneladas. Então, a quantidade de maconha que circula nas ruas é vinte vezes maior. O que é apreendido não reflete o que está circulando. Isso vale para a cocaína, para o crack etc”, afirma ele.

 

Durante a exposição, Luchiari também fez outro alerta: “Nosso problema no futuro não serão a cocaína ou a maconha. Serão as drogas sintéticas. As duas primeiras precisam de espaço, plantações para serem produzidas. As drogas sintéticas não necessitam de mais que duas pessoas e um quarto para serem produzidas, além de dois ou três componentes químicos”, ressaltou.

 

PF não está equipada o suficiente para entrar na luta

 

O baixo número de processos criminais nesses 22 anos está ligado às dificuldades que a Polícia Federal tem para combater o narcotráfico. Segundo Marco Alexandre, a Polícia Federal não está equipada o suficiente para entrar na luta. “Ela tem poucos agentes e delegados e infra-estrutura, como barcos, lanchas, aviões adequados para a região, e mesmo monitoramento via satélite”, diz ele. Segundo o pesquisador, que vai publicar seu trabalho em livro, ainda no primeiro semestre deste ano, o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e o Pró-Amazônia são as saídas mais viáveis a médio prazo para a Polícia Federal.

 

Marco Rosário também constatou que houve uma evasão, das penitenciárias estaduais, de presos condenados por tráfico de drogas pela Justiça Federal, justamente porque elas não estariam preparadas para esse tipo de criminoso.

 

A saída? Reforma e ampliação destes três órgãos que formam o sistema penal federal. Para a Justiça Federal, ele sugere a ampliação da estrutura do Poder no Pará, com a abertura e instalação de mais varas, tanto na capital quanto no interior. Só há duas Varas Federais no interior do Estado, em Santarém e Marabá, além da criação do Tribunal Regional Federal na Amazônia, com sede em Belém.

 

Arte – Marco Alexandre Rosário usou a cultura e as artes na sua análise do sistema penal federal no combate ao narcotráfico no Pará. Na apresentação do trabalho, ele mostra o uso e tráfico de drogas em diversas épocas históricas e o quadro atual.

 

O recurso mais comum para essa análise é literatura e a música, mais recentemente a partir dos anos 40. Há citações de obras de poetas e escritores que fizeram uso de drogas, como o poeta francês Artur Rimbaud, no século XIX, e dos movimentos artísticos e sociais da metade do século passado como beatnik, hipster, hippie, psicodelismo, happening, punk, etc.

 

Ele extraiu várias informações do livro “Mate-me por favor” (“Please, kill me – Uma história sem censura do punk”), no qual estão depoimentos de artistas e músicos que fizeram a música urbana norte-americana e européia nos últimos 40 anos. O livro é de autoria de Legs McNeil e Gillian McCain.

 

(Fim da reportagem)

 

COMENTÁRIOS DO AUTOR DA PESQUISA SOBRE ESTA REPORTAGEM

 

 

Esta segunda reportagem decorreu de um evento internacional sobre tráfico internacional de drogas, ocorrido em Belém, em fevereiro de 2001: “Seminário Franco-Brasileiro de Repressão ao Narcotráfico”. Embora eu não tenha sido convidado, o Juiz Federal Rubens Rollo D’Oliveira fez sua palestra neste evento tendo por base os dados estatísticos de minha pesquisa. Assim, meu nome e minha pesquisa foram citados durante este evento.

 

Esta reportagem também contêm equívocos, relacionados, primeiramente, aos dados estatísticos da pesquisa. Na verdade, oito sentenças, proferidas por juizes federais da Seção Judiciária da Justiça Federal do Estado do Pará (1ª Instância), foram reformadas pelo Tribunal Federal de Recursos (hoje extinto) e pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Nove sentenças, também proferidas por juizes da Justiça Federal do Pará, foram mantidas por estes Tribunais, e ainda houve recursos especial e extraordinário para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal (todos estes tribunais estão sediados em Brasília).

 

Entretanto, a reportagem, no geral, foi muito bem elaborada, e ainda teve uma chamada na primeira página do primeiro caderno do Jornal O Liberal. Desta forma, foi a mais elegante das três reportagens.

 

 

 

TÍTULO: REPRESSÃO À DROGA GERA CRIME ORGANIZADO. Terceira grande reportagem sobre a Dissertação de Mestrado “O Narcotráfico e o Sistema Penal Federal no Estado do Pará”, publicada no Jornal O Liberal, em 27 de maio de 2001 (Domingo).

 

Repórter: Fabrício de Paula.

 

Pesquisador descobre também que há íntima relação entre drogas e as artes como música e literatura

 

Foi a pura e simples repressão às drogas que gerou a moderna história do crime organizado. A conclusão é do pesquisador Marco Alexandre Rosário, que estudou durante cinco anos o narcotráfico e o sistema penal federal no Estado do Pará. Professor de Direito Penal e Criminalista na Universidade da Amazônia (Unama), ele afirma que a proibição do álcool, na década de 20 do século passado, deu a Máfia, já instalada nos Estados Unidos, a chance de promover a produção e o tráfico de bebidas alcóolicas.

 

“A questão foi tão séria que o Congresso norte-americano teve que ceder à pressão social e tornou a liberar a produção e o consumo de bebidas alcóolicas. Nesse momento, o crime organizado passou a trabalhar com outras drogas ilícitas, gerando grandes fortunas e o atual estado em que se encontra o problema”, afirma o pesquisador em seu trabalho – “Análise Multidisciplinar do Consumo e do Tráfico de drogas”.

 

Marco Alexandre Rosário mostra também que há uma relação muito íntima entre drogas e artes, principalmente a música e a literatura, o que sempre garantiu uma espécie de publicidade gratuita de incentivo ao uso das drogas. A pesquisa feita por Marco Rosário transformou-se numa tese de mestrado defendida no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará, em 1999.

 

A primeira parte do trabalho do professor avalia os aspectos históricos, econômicos, sociais, políticos e antropológicos do narcotráfico. Marco Rosário explica que “há várias referências aos aspectos artísticos e religiosos que envolvem o consumo de drogas e a criação artística. O enfoque fica mais nítido a partir do século XIX, quando vários escritores daquele século passaram a fazer experiências com drogas”.

 

O pesquisador cita De Quincey, autor da obra “Confissões de um Consumidor de Ópio’, Shelley, Samuel Taylor Coleridge, Edgar Allan Poe, Charles Baudelaire, que fundou com outros escritores o famoso “Clube dos Hachichins”, em Paris, e Artur Rimbaud. “Dos poetas do romantismo inglês aos malditos da França, verifica-se que, a partir de suas obras, foi criada uma tradição nos meios artísticos em relação ao consumo de drogas. Na época, as drogas mais consumidas eram o ópio, o haxixe, o láudano (criado em 1670 a partir da mistura de ópio, álcool, açafrão, canela e cravinho em pó) e a morfina (derivado do ópio), além do próprio álcool e da cocaína, que já estava em vias de aparecer, assim como a heroína (também derivada do ópio), que chegaram a ser comercializadas e legalmente vendidas até o princípio do século XX”, relata Marco Rosário.

 

“A repressão ao álcool, na década de 20, também influenciou os meios artísticos, que continuaram a manter a tradição surgida nos séculos XVIII e XIX”, afirma o pesquisador. Entretanto, a grande explosão do consumo de drogas teria ocorrido, segundo o professor, a partir do início da década de 60, quando Timothy Leary, psicólogo de Harvard começou a disseminar os alucinógenos como psilocibin e o LSD-25, este último sintetizado em 1938; mas seus efeitos somente se tornariam conhecidos em 1943, através de experiências feitas pelo químico Albert Hofmann, dos laboratórios Sandoz, na Suiça. E Leary começou a disseminá-los principalmente entre seus alunos e também nos meios artísticos.

 

“Na verdade, a experiência com drogas, como a maconha e outros alucinógenos, começou com os beatniks e hipsters (antecessores dos hippies), nos EUA, já na década de 50, além de outros grupos de intelectuais e artistas em outros lugares, como os nadaístas na Colômbia, que fizeram apologia da maconha. Todos seguindo a tradição do consumo de drogas, iniciada nos séculos anteriores”, ressalta o pesquisador.

 

Já nos anos 60, o consumo vertiginoso da maconha e do LSD pôde ser sentido nas artes com mais intensidade, principalmente na poesia e músicas dos Beatles e de Bob Dylan. Vários outros grupos de rock fizeram experiências com essas drogas, como por exemplo Velvet Underground, Pink Floyd, The Doors, The Deviants, The Fugs, Jefferson Airplane, Greatful Dead, Canned Heat, Pearls Before Swine e muitos outros. Este último lançou, em Nova Iorque, em 1967, o LP One Nation Underground pela ESP-DISK, uma das primeiras gravadoras alternativas da história fonográfica. “O significado desta nação subterrânea é que ela se opunha ao sistema capitalista, o que chamou-se de contracultura, movimento underground (subterrâneo), psicodelismo, inspirado nas drogas psicodélicas”.

 

“Nesta nação subterrânea, as drogas lisérgicas tinham uma importância fundamental como forma de destruição do modo de vida burguês norte-americano. Entretanto, passada a euforia dos anos 60 e 70, a idéia degenerou-se para o tráfico internacional de drogas, que somente visava o lucro”, explica.

 

Marco Alexandre Rosário cita outros grupos em seu trabalho, como o David Peel & Lower East Side, que lançou o LP Have a Marijuana, gravado ao vivo nas ruas de Nova Iorque em 1969. A banda defendia a liberação da maconha, como faz hoje o grupo brasileiro Planet Hemp. Componentes de outros grupos, como o MC-5 e o The Stooges, de Iggy Pop, não só defendiam o consumo de drogas como também participaram de esquemas do tráfico.

 

Mas, com a proliferação da heroína, além das anfetaminas e dos barbitúricos, ocorrida entre 1969 e 1971, vários artistas morreram, como Janis Joplin e Jimi Hendrix, e ainda houve o assassinato de Sharon Tate pela família Manson, liderada por Charles Manson, ocorrido em agosto de 1969, atribuído ao uso de drogas.

 

“É interessante verificar que os ideais do chamado movimento hippie, da contracultura, do psicodelismo, voltavam-se contra os ideais da classe média branca, nos EUA, e passaram a ameaçar a existência do próprio Estado Norte-Americano. Então o governo norte-americano passou a interceptar a maconha que vinha, basicamente, do México e fez vista grossa para o tráfico de heroína, já que tanto a maconha como o LSD eram acusados de serem a causa dos distúrbios comportamentais dos jovens norte-americanos”, explica.

 

Heroína dizimou movimentos revolucionários

 

Para Marco Alexandre Rosário, a heroína, uma droga que isola seu consumidor do convívio social, dizimou os movimentos revolucionários nos EUA, entretanto também começou a fazer estragos nos jovens da classe média branca. Nesse momento, continua o pesquisador, entra a cocaína, que havia ficado adormecida nos Andes, na América Latina, desde as décadas de 20 e 30 do século passado, embora tivesse sido usada de forma limitada na década de 60, já que ainda não haviam as grandes redes de tráfico.

 

“A partir daí, os EUA passaram a influenciar diretamente na legislação e na política antidrogas de outros países, usando o combate às drogas como forma de pressão política na América Latina para manter seu domínio na região, principalmente com o apoio da CIA, sua agência de inteligência. No Brasil, onde o consumo e tráfico de drogas era crime comum, previsto no Código Penal, de 1940, a partir de 1976 passou a ser crime previsto em lei especial, a famosa Lei 6.368”, ressalta.

 

Outro momento de intenso consumo de drogas aconteceu na década de 70, com o chamado Movimento Punk, que tem sua origem na década de 60, nos Estados Unidos e surgiu com toda a força na Inglaterra e de lá se espalhou pelo mundo. Juntamente com ele surgia nos Estados Unidos a Disco Music, como grande relevo da música negra norte-americana. Também nessa década ocorre a grande explosão do reggae jamaicano. Nestas criações artísticas circulavam com desenvoltura a heroína, a cocaína e a maconha, complementa o pesquisador.

 

Nas décadas de 80 e 90, houve aumento do consumo de drogas com bastante influência nos meios artísticos. Novos movimentos musicais como o Rap e a Techno Music, e outros antigos, mas com nova roupagem, como o funk e o rock e a Disco Music, estão diretamente ligados ao consumo de drogas, afirma na pesquisa.

 

Marco Rosário explica que acha muito difícil acabar com o consumo de drogas na sociedade, principalmente devido à influência das artes. Ele também afirma que não se pode dizer que a produção artística influenciada pelas drogas seja efêmera ou ruim, já que há qualidade nelas. “É só ouvir a música dos Beatles para verificar que há qualidade de criação. Mas, evidentemente a droga não cria nada. Ela apenas amplia a percepção da mente humana”.

 

No Brasil, essa influência das drogas sempre foi sentida nos meios artísticos. Vários artistas e músicos consumiram drogas, além daqueles que as usaram como tema de suas composições, como é o caso de Bezerra da Silva.

 

Para realizar a pesquisa, Marco Rosário afirma que procurou dar uma ampla visão científica sobre o problema das drogas. “O problema das drogas somente pode ser entendido através de uma ampla visão multidisciplinar, ou seja, através da ótica de várias ciências, além de uma postura coerente da sociedade civil, não acorrentada por preconceitos e medos infundados”.

 

Pesquisa estuda o narcotráfico

 

O estudo sobre o narcotráfico de Marco Rosário também está abrindo as portas para que outros interessados no assunto pesquisem o tema. A partir de seu trabalho, está sendo criado um núcleo de pesquisa sobre o narcotráfico e o crime organizado, provisoriamente denominado de “Núcleo Interinstitucional de Estudos Multidisciplinares do Narcotráfico e do Crime Organizado na Amazônia”, sendo o seu principal objetivo promover uma melhor integração entre as várias instituições que compõem o sistema penal na região, como as superintendências do Departamento de Polícia Federal, as seções judiciárias da Justiça Federal, as polícias estaduais, os poderes judiciários estaduais, além das instituições penitenciárias, sediadas em todos os Estados que compõem a Amazônia Legal, tendo também a participação das universidades da região e de setores da sociedade civil.

 

“O objetivo maior é realizar uma grande pesquisa em relação aos processos criminais, seja de tráfico internacional (Justiça Federal), seja de tráfico interno (Justiças Estaduais), em toda a região, além de elaborar estudos sobre o fenômeno do narcotráfico, como uma forma que é do crime organizado, com ênfase em seus aspectos econômicos, sociais, antropológicos, jurídicos e políticos, e não apenas em questões meramente repressivas”, afirma o pesquisador.

 

(Fim da reportagem)

 

COMENTÁRIOS DO AUTOR DA PESQUISA SOBRE ESTA REPORTAGEM

 

 

Esta é a única das três reportagens em que o único entrevistado sou eu, e também é a única das três reportagens que abordam exclusivamente a primeira parte da Dissertação de Mestrado, no que diz respeito à relação entre as drogas e as artes. Esta parte tinha o título de “Parte Geral”, e durante o ano de 2001, com as mudanças que eu comecei a fazer no texto, passou a ser denominada de “Análise Multidisciplinar do Consumo e do Tráfico de drogas”. Infelizmente, na reportagem, este título aparece como sendo o título da Dissertação de Mestrado, o que não é verdade. O título da Dissertação de Mestrado sempre foi e sempre será “O Narcotráfico e o Sistema Penal Federal no Estado do Pará”. Outro equívoco do repórter foi ter dito que eu era professor de Direito Penal da Universidade da Amazônia (UNAMA). Na verdade, eu fui professor de Orientação de Monografia em Área Criminal (Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito da Execução Penal e Criminologia) desta Instituição de Ensino Superior. Esta reportagem faz uma excelente análise sobre a relação entre drogas e arte. Há alguns equívocos de minha parte, mas, no todo, ela é muito abrangente e com afirmações precisas, embora muito resumidas.

 

Quanto ao “Núcleo Interinstitucional de Estudos Multidisciplinares do Narcotráfico e do Crime Organizado na Amazônia”, embora eu tenha distribuído o projeto para várias instituições, tendo em vista o desinteresse das mesmas, acabei por abandonar tal projeto. Na minha opinião, a situação atual da produção, da comercialização e do consumo de drogas vai se manter como está no futuro, bem como a vertente repressiva e a ignorância da população e das próprias instituições públicas sobre o problema.

 

O tráfico e o consumo de drogas é um tema Transnacional e transdisciplinar. Portanto, é um dos temas mais apropriados para a pesquisa. Espero ter contribuído para o aperfeiçoamento da pesquisa sobre este tema, e aproveito para agradecer aos diretores e repórteres do jornal O Liberal pelas reportagens e pelo espaço gratuitamente concedido à minha pesquisa.

 

                                   Muito Obrigado.

 

                                   Marco Alexandre da Costa Rosário

Informativo da Justiça Federal do Estado do Pará, no qual consta a informação sobre a modificação da competência das varas da Justiça Federal influênciada pela dissertação de mestrado de Marco Alexandre Rosário.
Convite dos alunos da Universidade da Amazônia, para apresentação de trabalho de pesquisa baseado na dissertação de mestrado de Marco Alexandre Rosário (2001).